A primavera meteorológica no Hemisfério Sul (Set-Out-Nov) foi marcada por tempo severo e enchentes no Sul do Brasil e seca histórica na Amazônia. Esse padrão parece ter uma grande correlação com o intenso El Niño presente nos últimos meses, o qual geralmente é associado com mais chuva na região Sul e menos chuva na região Norte do país.
A precipitação na região Sul na primavera foi muito acima da média. Em alguns pontos na fronteira do RS com SC, houve registro de mais que o dobro da precipitação climatológica no período.
O mapa de precipitação acumulada nos últimos 90 dias do INMET evidencia a grande quantidade de precipitação na região, com pontos registrando mais de 1000 mm em 3 meses.
O número de municípios que decretaram situação de emergência devido a enchentes é impressionante, talvez sem precedentes nas últimas décadas. Entre os eventos mais significativos, destacam-se as enxurradas no Vale do Taquari, RS, com 49 mortos e danos significativos à infraestrutura, e a subida do Guaíba em Porto Alegre, que chegou ao nível mais alto desde 1941.
Em termos de tempo severo, também houve atividade acima da média na primavera de 2023 em comparação a primaveras de outros anos. Em 2015, outro ano com um El Niño intenso, a primavera também foi bastante ativa, indicando que há uma grande correlação entre El Niño e ocorrência de mais eventos de tempo severo e chuva intensa no Sul do Brasil.
O mapa abaixo mostra os registros preliminares de tempo severo do PRETS de Set-Out-Nov de 2023. Um dado impressionante é que ocorreram mais de 5000 registros nos 3 meses de primavera. No banco de dados, em um ano “normal”, a média é de 6000 registros em todo o Brasil em 1 ano inteiro.
Em particular, as ocorrências de granizo foram muito frequentes nesta primavera, com mais de 300 registros de granizo > 4 cm. Assim como enchentes, ocorrências de granizo causaram múltiplas declarações de situação de emergência no Sul do país. Houve também o evento de tempo severo em SP no dia 03/Nov, quando rajadas de vento severas ocorreram no Estado devido a uma linha de instabilidade, com grande impacto social.
Abaixo estão algumas figuras com anomalias de algumas variáveis na primavera de 2023 para tentar entender como o padrão de grande escala pode ter influenciado a ativa primavera. Em 500 hPa, houve uma alta anômala sobre o litoral do Sudeste e uma baixa anômala sobre a Patagônia. Esse padrão indica escoamento intenso em médios níveis sobre o Sul do Brasil, Uruguai e Argentina central, o que pode ter facilitado a ocorrência de situações com alto cisalhamento profundo e tempo severo no Sul. Além disso, o cavado que se estende para noroeste sobre o Pacífico indica uma frequência maior que o normal de cavados migratórios afetando o Sul do Brasil no período.
A anomalia de vento em 850 hPa indica vento de noroeste centrado sobre o Paraguai, o que potencialmente tem ligação com maior frequência/intensidade do jato de baixos níveis.
A anomalia de água precipitável é bastante impressionante. Há pontos com mais de 6 mm acima da média. Essas anomalias são elevadas dado que o mapa mostra a anomalia para um período de 3 meses.
Pode-se especular que o cavado anômalo sobre o Pacífico esteve associado a maior frequẽncia de cavados em médios níveis movendo-se perto do Sul do Brasil, o que facilitou a ocorrência de eventos de tempo severo/chuva intensa, e que havia água precipitável bem acima da média no setor favorecendo a ocorrência de chuva intensa. O jato de baixos níveis aparentemente esteve mais ativo que o normal, transportando umidade para e favorecendo levantamento sobre o Sul do Brasil.