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[14/01/2024] Chuva intensa no RJ

Chuva intensa ocorreu na região metropolitana do RJ nesta madrugada. O mapa do Cemaden abaixo mostra mais de 200 mm em 24h em alguns pontos de Nova Iguaçu, e mais de 100 mm no Rio e Niterói.  

Uma das estações em Nova Iguaçu indicou mais de 40 mm/h por 3 h consecutivas. O pico da precipitação ocorreu em torno de 0200 UTC.

O radar do Pico do Couto às 0200 UTC indicava uma estreita faixa com refletividade acima de 40 dBZ e orientação sudeste-noroeste. Esta banda de precipitação intensa se concentrou sobre a região metropolitana do RJ por mais de 3 horas. A animação também indica rotação em mesoescala nessa região: os núcleos convectivos ao longo da banda de refletividade mais intensa se moviam para noroeste enquanto que a precipitação mais fraca a nordeste se movia para sudeste, conforme indicado na figura.

O GFS indicava alguns máximos de vorticidade em 500 hPa sobre o Estado do RJ na analise do dia 14 às 0000 UTC. Contudo, a localizacao desses vortices em 500 hPa (e em 700 hPa) nao parece correta quando comparada ao movimento da precipitacao no radar. Esse tipo de vortice de mesoescala que ocorre devido a conveccao intensa no verao é geralmente mal previsto por modelos globais. 

Havia intensa água precipitável sobre o litoral do RJ no momento da chuva intensa. A análise do GFS indica mais de 64 mm, o que é bastante alto mesmo para o RJ no verão. Notem também o vento de sul em 700 hPa, que também estava presente em 850 hPa (mais abaixo). O vento sul se deve ao avanço de ar mais frio e seco pela costa do Sul e Sudeste após a passagem da frente oceânica. Esse vento de sul favorece o levantamento orográfico. Portanto, havia uma condição favorável à chuva intensa bastante conhecida na região. A rotação em mesoescala possivelmente ajudou a realçar a precipitação intensa através da formação da banda de precipitação.

A sondagem do aeroporto do Galeão às 0000 UTC do dia 14 indicava impressionantes 69 mm de água precipitável. 

A performance dos modelos foi bastante ruim. O GFS indicava chuva mais intensa mais a norte, sobre o norte do RJ e sul de MG, onde o modelo indicava alguns vórtices de mesoescala. 

O modelo canadense indicava chuva intensa na região serrana do RJ.

[11-13/09/2023] Chuva intensa e tempo severo no RS

Houve chuva intensa no RS novamente, com acumulados de 100-200 mm. Vários pontos do Estado registraram aumento dos rios e inundações de áreas próximas. Além disso, tempestades severas causaram granizo em várias localidades.

Tempestades severas 0000 UTC do dia 13.

Um cavado em 500 hPa está causando uma ciclogênese sobre o norte do RS. O centro de baixa pressão no Paraguai, formado em resposta ao intenso escoamento em médios níveis sobre os Andes, se move para sudeste conforme a forçante associada ao cavado se aproxima. Esse ciclone vai seguir em direção ao litoral norte do RS e litoral de SC.

O ciclone não é muito intenso em termos de pressão central (1006-1010 hPa), mas o gradiente de pressão tem sido suficiente para causar ventos de 30-40 kt em 850 hPa. Com isso, advecção quente ocorre ao longo da frente estacionária que em superfície está próxima do centro do RS nesta manhã. A advecção quente tem favorecido intensa precipitação e tempestades severas elevadas sobre o ar relativamente frio em superfície. 

Este evento tem similaridades em escala sinótica com a configuração que favoreceu a chuva intensa no Vale do Taquari nos dias 03-04. Em ambos casos, havia um intenso cavado migratório que interagiu com uma frente sobre o RS, favorecendo advecção quente ao longo da frente. Contudo, o transporte de umidade no evento em andamento é significativamente menos intenso (abaixo comparação dos dois eventos).

As anomalias de água precipitável no evento do dia 04 eram muito mais altas. Havia uma ampla área com anomalias positivas no dia 04.

Acredito que os dias que precederam os dois eventos foram bastante diferentes. Antes do evento do dia 04 e nos últimos dias de agosto, um cavado anômalo na costa do Sudeste (abaixo) fez com que houvesse persistente transporte de umidade da Amazônia para o centro e leste do Brasil.  

No dia 30, por exemplo, havia uma ampla área com anomalia positiva de água precipitável no Sudeste e Centro-Oeste.

Conforme o intenso cavado em médios níveis se aproximou do Sul do Brasil, essa umidade foi rapidamente transportada para sul devido ao intenso e profundo jato em baixos níveis. Com isso, as anomalias de água precipitável no RS eram de 3+ desvios padrão acima da média.

O mesmo não ocorreu no último evento. O cavado, apesar de ser intenso, não foi capaz de transportar grandes quantidades de umidade para o RS, principalmente porque não havia uma massa de ar úmida nos subtrópicos.

[06-07/09/2023] Outro evento de chuva intensa no RS e Uruguai

Chuva intensa ocorreu entre o norte do Uruguai e sul do RS entre os dias 06 e 07/09, levando a enchentes em algumas cidades. Várias cidades na região registraram 100-200 mm no período. 

Mais uma vez, um intenso cavado em médios níveis favoreceu intenso levantamento na região. Contudo, há várias diferenças em relação ao evento dos dias 03-04. A discussão se baseia nas análises do GFS de 06Z do da 07.

O máximo de vorticidade em 500 hPa associado ao cavado está mais a sul neste caso, favorecendo uma ciclogênese sobre a costa da Argentina. O cavado não é tão compacto quanto o último e há uma crista mais intensa corrente abaixo a leste da Argentina. Essa crista em médios níveis mantém um intenso anticiclone em superfície.

Além disso, o jato de altos níveis não está em uma posição tão favorável. Há um jato no Atlântico com orientação sudoeste-nordeste, mas um tanto longe da região onde ocorria movimento ascendente intenso (contornos vermelhos). Portanto, o levantamento neste caso esteve mais associado a forçantes em baixos níveis.

Em 850 hPa, há uma frente quente que se estende do norte da Argentina até o centro do Uruguai e costa teste do RS, evidente no gradiente de temperatura potencial equivalente. A mudança na direção do vento de norte/noroeste no setor quente para sudeste a sul da frente indica acentuada convergência em baixos níveis. Além disso, a advecção quente é bastante intensa ao longo da frente. Essa é uma clássica frente quente associada a chuva intensa, relativamente comum na primavera. 

O intenso movimento ascendente, resultado principalmente da intensa advecção quente em baixos níveis, coincide com uma área com instabilidade elevada (MUCAPE > 250 J/kg), favorecendo tempestades convectivas. Em áreas do sul do RS, há relatos de que houve intensa atividade elétrica acompanhando a chuva intensa por mais de 12h durante a madrugada do dia 07.

A anomalia de água precipitável indica mais de 2 desvios padrão na região durante a chuva intensa. Essa anomalia se deve ao rápido transporte de umidade pelo vento em baixos níveis. Em 700 hPa, o vento excedeu 50 kt, indicando um profundo jato capaz de transportar grande quantidade de umidade. 

Um fator que provavelmente contribuiu para que a frente quente não se movesse tanto para sul, apesar do intenso escoamento de norte/noroeste, foi um intenso anticiclone que estava presente no Atlântico. Com mais de 1036 hPa no centro, esse anticiclone manteve intenso escoamento de nordeste ao longo da costa do RS e Uruguai, no setor frio. O anticiclone anômalo favoreceu intenso movimento ascendente ao longo da frente quente. O gradiente de temperatura acentuado ao longo da frente quente (pela presença de ar frio no oceano) e o vento em baixos níveis intenso (pelo forte gradiente de pressão) foram importantes neste caso.

Mais uma vez, várias oportunidades de pesquisa podem ser exploradas neste caso:

– A influência de anticiclones no Atlântico nas frentes quentes e estacionárias associadas a chuva intensa no sul do Brasil;

– A relação entre a estrutura do jato de baixos níveis e a advecção quente ao longo das frentes;

– Quais padrões de circulação no Pacífico favorecem esses períodos de alta atividade convectiva no Sul do Brasil. Muitas vezes, quando a atmosfera está favorável a um evento extremo, é mais provável que outros eventos extremos ocorram em seguida porque a configuração em grande escala já é anormal.

[03-04/09/2023] Chuva intensa no RS

Além do tempo severo generalizado, houve chuva intensa em partes do centro e norte do RS entre os dias 3 e 4/09. Algumas cidades registraram enchentes significativas, principalmente no centro do RS. 

O intenso cavado em médios níveis que favoreceu a sequência de tempo severo e chuva intensa é impressionante pela localização em latitudes bastante baixas (vou utilizar 0600 UTC do dia 04 como exemplo.. Não é muito comum ver um cavado anômalo que se estende até o sul da Bolívia e se move para leste. Geralmente os cavados migratórios que se movem para leste ocorrem mais a sul. Além disso, o cavado tem um eixo bastante acentuado, ou seja, não é um cavado “suave”. Isso gera um jato bastante meridional (mais abaixo), favorecendo levantamento mais intenso na dianteira do cavado. As duas cristas anômalas corrente acima e corrente abaixo do cavado possivelmente tiveram um papel importante neste caso.

Com isso, houve escoamento muito intenso em baixos níveis na dianteira do cavado e amplo transporte de umidade em direção ao Sul do Brasil. O escoamento em 700 hPa, por exemplo, estava acima de 50 kt na madrugada do dia 04 (abaixo). Chama a atenção também a enorme área com vento > 50 kt. O jato de baixos níveis também era bastante profundo, o que causou eficiente transporte de umidade. Como exemplo, o transporte de vapor d’água integrado (abaixo) estava bastante intenso.

Como resultado desta situação “anomalamente dinâmica” e o amplo transporte de umidade, o ambiente onde ocorreu chuva intensa era caracterizado por anomalias de água precipitável perto de 3 desvios padrão.

O levantamento era bastante intenso na saída do jato de baixos níveis, conforme mostrado em contornos azuis no campo de vento em 700 hPa e água precipitável mais acima. Além disso, o levantamento também era favorecido pelo jato de altos níveis, cuja entrada equatorial, onde ocorrem circulações ageostróficas favoráveis a movimento ascendente, se posicionava sobre a região.

O ambiente bastante úmido, o levantamento intenso associado ao cavado + advecção quente na saída do jato de baixos níveis, e a presença de CAPE favorável a tempestades convectivas, causaram altas taxas de precipitação. 

Um tópico interessante para pesquisa é a relação do formato do cavado em médios níveis com as condições de tempo corrente abaixo. Este caso é um tanto atípico, pois o cavado estava bastante a norte e era bem acentuado. Quão comum é este tipo de cavado? Esta configuração está sempre associada a maior potencial de eventos extremos (tempo severo e chuva intensa), ou este caso representou uma improvável combinação de fatores?