Arquivo da categoria: Chuva intensa

[06-07/09/2023] Outro evento de chuva intensa no RS e Uruguai

Chuva intensa ocorreu entre o norte do Uruguai e sul do RS entre os dias 06 e 07/09, levando a enchentes em algumas cidades. Várias cidades na região registraram 100-200 mm no período. 

Mais uma vez, um intenso cavado em médios níveis favoreceu intenso levantamento na região. Contudo, há várias diferenças em relação ao evento dos dias 03-04. A discussão se baseia nas análises do GFS de 06Z do da 07.

O máximo de vorticidade em 500 hPa associado ao cavado está mais a sul neste caso, favorecendo uma ciclogênese sobre a costa da Argentina. O cavado não é tão compacto quanto o último e há uma crista mais intensa corrente abaixo a leste da Argentina. Essa crista em médios níveis mantém um intenso anticiclone em superfície.

Além disso, o jato de altos níveis não está em uma posição tão favorável. Há um jato no Atlântico com orientação sudoeste-nordeste, mas um tanto longe da região onde ocorria movimento ascendente intenso (contornos vermelhos). Portanto, o levantamento neste caso esteve mais associado a forçantes em baixos níveis.

Em 850 hPa, há uma frente quente que se estende do norte da Argentina até o centro do Uruguai e costa teste do RS, evidente no gradiente de temperatura potencial equivalente. A mudança na direção do vento de norte/noroeste no setor quente para sudeste a sul da frente indica acentuada convergência em baixos níveis. Além disso, a advecção quente é bastante intensa ao longo da frente. Essa é uma clássica frente quente associada a chuva intensa, relativamente comum na primavera. 

O intenso movimento ascendente, resultado principalmente da intensa advecção quente em baixos níveis, coincide com uma área com instabilidade elevada (MUCAPE > 250 J/kg), favorecendo tempestades convectivas. Em áreas do sul do RS, há relatos de que houve intensa atividade elétrica acompanhando a chuva intensa por mais de 12h durante a madrugada do dia 07.

A anomalia de água precipitável indica mais de 2 desvios padrão na região durante a chuva intensa. Essa anomalia se deve ao rápido transporte de umidade pelo vento em baixos níveis. Em 700 hPa, o vento excedeu 50 kt, indicando um profundo jato capaz de transportar grande quantidade de umidade. 

Um fator que provavelmente contribuiu para que a frente quente não se movesse tanto para sul, apesar do intenso escoamento de norte/noroeste, foi um intenso anticiclone que estava presente no Atlântico. Com mais de 1036 hPa no centro, esse anticiclone manteve intenso escoamento de nordeste ao longo da costa do RS e Uruguai, no setor frio. O anticiclone anômalo favoreceu intenso movimento ascendente ao longo da frente quente. O gradiente de temperatura acentuado ao longo da frente quente (pela presença de ar frio no oceano) e o vento em baixos níveis intenso (pelo forte gradiente de pressão) foram importantes neste caso.

Mais uma vez, várias oportunidades de pesquisa podem ser exploradas neste caso:

– A influência de anticiclones no Atlântico nas frentes quentes e estacionárias associadas a chuva intensa no sul do Brasil;

– A relação entre a estrutura do jato de baixos níveis e a advecção quente ao longo das frentes;

– Quais padrões de circulação no Pacífico favorecem esses períodos de alta atividade convectiva no Sul do Brasil. Muitas vezes, quando a atmosfera está favorável a um evento extremo, é mais provável que outros eventos extremos ocorram em seguida porque a configuração em grande escala já é anormal.

[03-04/09/2023] Chuva intensa no RS

Além do tempo severo generalizado, houve chuva intensa em partes do centro e norte do RS entre os dias 3 e 4/09. Algumas cidades registraram enchentes significativas, principalmente no centro do RS. 

O intenso cavado em médios níveis que favoreceu a sequência de tempo severo e chuva intensa é impressionante pela localização em latitudes bastante baixas (vou utilizar 0600 UTC do dia 04 como exemplo.. Não é muito comum ver um cavado anômalo que se estende até o sul da Bolívia e se move para leste. Geralmente os cavados migratórios que se movem para leste ocorrem mais a sul. Além disso, o cavado tem um eixo bastante acentuado, ou seja, não é um cavado “suave”. Isso gera um jato bastante meridional (mais abaixo), favorecendo levantamento mais intenso na dianteira do cavado. As duas cristas anômalas corrente acima e corrente abaixo do cavado possivelmente tiveram um papel importante neste caso.

Com isso, houve escoamento muito intenso em baixos níveis na dianteira do cavado e amplo transporte de umidade em direção ao Sul do Brasil. O escoamento em 700 hPa, por exemplo, estava acima de 50 kt na madrugada do dia 04 (abaixo). Chama a atenção também a enorme área com vento > 50 kt. O jato de baixos níveis também era bastante profundo, o que causou eficiente transporte de umidade. Como exemplo, o transporte de vapor d’água integrado (abaixo) estava bastante intenso.

Como resultado desta situação “anomalamente dinâmica” e o amplo transporte de umidade, o ambiente onde ocorreu chuva intensa era caracterizado por anomalias de água precipitável perto de 3 desvios padrão.

O levantamento era bastante intenso na saída do jato de baixos níveis, conforme mostrado em contornos azuis no campo de vento em 700 hPa e água precipitável mais acima. Além disso, o levantamento também era favorecido pelo jato de altos níveis, cuja entrada equatorial, onde ocorrem circulações ageostróficas favoráveis a movimento ascendente, se posicionava sobre a região.

O ambiente bastante úmido, o levantamento intenso associado ao cavado + advecção quente na saída do jato de baixos níveis, e a presença de CAPE favorável a tempestades convectivas, causaram altas taxas de precipitação. 

Um tópico interessante para pesquisa é a relação do formato do cavado em médios níveis com as condições de tempo corrente abaixo. Este caso é um tanto atípico, pois o cavado estava bastante a norte e era bem acentuado. Quão comum é este tipo de cavado? Esta configuração está sempre associada a maior potencial de eventos extremos (tempo severo e chuva intensa), ou este caso representou uma improvável combinação de fatores?

[07-08/07/2023] Chuva intensa no RS

Um evento de precipitação intensa é esperado no centro do RS a partir de amanhã (07/07). O evento ocorrerá algumas semanas após a catastrófica chuva no leste e nordeste do Estado que deixou 16 mortos. Por isso, há bastante repercussão na mídia sobre os potenciais danos, apesar de que o evento de amanhã será menos expressivo.

A chuva intensa ocorrerá associada a uma frente estacionária, com um intenso jato de baixos níveis no setor quente e intensa convergência ao longo da frente. Este padrão é bastante clássico em eventos de chuva intensa no RS no inverno. A previsão do GFS de vento em 250 hPa, espessura 1000-500 hPa e pressão ao nível médio do mar (PNMM) para 06Z do dia 07 (abaixo) indica acentuado gradiente de espessura no centro da Argentina associado a um intenso (>80 m/s) jato em 250 hPa. Este gradiente está associado a uma frente estacionária em torno de 33S, entre o anticiclone frio no centro-sul da Argentina e a massa de ar quente no norte da Argentina e Paraguai. O centro de baixa pressão no noroeste da Argentina e Paraguai causa escoamento de noroeste sobre a região e transporte de ar quente e úmido em direção à frente, enquanto que o movimento do anticiclone para norte favorece a advecção fria em baixos níveis a sul da frente. 

Às 18Z do dia 07, o anticiclone avança para nordeste e o centro de baixa pressão no norte da Argentina e Paraguai se intensifica. O jato em altos níveis perde intensidade conforme a convecção (que já deve estar ocorrendo neste momento) redistribui momentum. 

O levantamento associado à convecção e à ocorrência de chuva intensa pode ser parcialmente atribuído ao cavado em 500 hPa que atravessa os Andes a partir do início do dia 07 e estará corrente acima do RS às 18Z (abaixo). Este cavado se torna difuso após atravessar as montanhas e interagir com a convecção.

Em baixos níveis, haverá intensa convergência ao longo da frente, onde os ventos de leste associados ao anticiclone a sul da frente encontram ventos de noroeste devido ao centro de baixa pressão mais a norte. O jato de baixos níveis deve chegar a 30-40 kt durante a tarde e promover convergência e advecção quente no setor quente. A instabilidade será baixa para tempestades severas, mas convecção intensa pode ocorrer ao longo da frente e causar altas taxas de precipitação entre o dia 07 e a madrugada do dia 08.

A convecção ao longo da frente deve ser elevada, uma vez que haverá ar frio (e vento de leste) em superfície associado ao anticiclone mais a sul. Uma sondagem do GFS às 00Z do dia 08, próximo de quando a chuva deve ser mais intensa, indica um impressionante escoamento de noroeste em acima de 800 hPa sobre escoamento de leste dentro do ar levemente mais frio abaixo. O escoamento de noroeste é bastante profundo, com o vento noroeste se estendendo até ~3 km de altura. 

O campo de vento e altura geopotencial em 700 hPa (abaixo) indica escoamento de 40-50 kt no setor quente e intensa convergência ao longo da frente. Além disso, haverá água precipitável > 40 mm (sombreado amarelo) e intenso levantamento (contornos azuis), uma condição bastante favorável para chuva intensa. O levantamento intenso ao longo da frente se deve principalmente à acentuada convergência em baixos níveis ao longo da frente.

O GFS indicava o máximo de precipitação no centro do RS, alinhado com a latitude 30S, nas rodadas dos dias 04 e 05, mas nas rodadas do dia 06 indica a maior precipitação um pouco mais a sul.

O acumulado de precipitação entre 12Z do dia 07 e 12Z do dia 08, conforme previsão das 12Z do GFS, indica > 100 mm em alguns pontos, sendo possível acumulados > 150 mm na região.

Já o ECMWF indica o máximo mais a norte, no centro do RS. Se a previsão do ECMWF se confirmar, será uma péssima situação para a região metropolitana de Porto Alegre, que recentemente foi atingida por outro evento de precipitação intensa. A diferença na localização da chuva mais intensa parece não ser devido ao posicionamento da frente, que parece similar entre os dois modelos.

Embora eventos de precipitação intensa ao longo de frentes estacionárias sejam comuns no sul do Brasil, este evento pode ser significativo dado o potencial de precipitação acima de 100 mm em 24 h em uma ampla área, causando alta vazão dos rios.

Atualização (12Z de 08/07/2023):

A precipitação mais intensa observada ocorreu bastante a norte do que os modelos globais indicavam, ficando inclusive a norte da região metropolitana de Porto Alegre. O máximo ocorreu no sudeste de SC 136 mm entre 12Z do dia 07 e 12Z do dia 08.

O Cosmo do INMET, na rodada de ontem (07) 00Z, indicava corretamente esse máximo mais a norte.

Os avisos emitidos pelo INMET e CEMADEN antes do evento foram muito abrangentes, compreendendo todo o centro e sul do RS. Além disso, não indicaram o máximo de precipitação no nordeste do RS e sudeste de SC. O INMET emitiu um outro aviso na tarde de ontem (07), quando o evento estava iniciando, para as áreas do nordeste do RS e sudeste de SC (https://twitter.com/inmet_/status/1677381314893467649). O aviso incluía a região metropolitana de Porto Alegre, que não teve acumulados expressivos, e não inclui áreas da Serra do RS que tiveram ~100 mm em 24h.

[13/06/2023] Chuva intensa no litoral de SP

Chuva intensa ocorreu nas últimas horas nas praias do oeste de São Sebastião-SP. As estações do Cemaden indicam mais de 100 mm em algumas estações. A precipitação ocorreu a partir de 0900 UTC com taxa de precipitação de 20-30 mm/h em alguns momentos. No mapa também se nota como o evento foi bastante localizado, ocorrendo no setor leste da concavidade entre Bertioga e São Sebastião.

O Cemaden não indicava risco hidrológico na região.

O evento também foi muito mal previsto pelo GFS, que não indicava nada de precipitação na região. O ECMWF indicava pelo menos 30-40 mm.

A precipitação intensa parece ter ocorrido devido ao escoamento de sul canalizado pela Serra do Mar na costa do PR e SP (vento em 10 m abaixo). Conforme ar frio avança para norte pelo litoral, a Serra do Mar ao longo da costa favorece mais rápido avanço do ar frio pelo oceano. O vento sul favorece convergência ao longo da concavidade no oeste de São Sebastião, que é voltada para sul. A ciclogênese a sul do RJ associada ao avanço da frente também favorece escoamento de sul no litoral de SP.

A previsão do GFS para 0000 UTC do dia 14 (hoje a noite) indica intensificação de um centro de baixa pressão também ao longo do litoral de SP. O vento em 925 hPa (abaixo) mostra como o vento de sul pode seguir intenso ao longo da costa e favorecer convergência em mesoescala em pontos localizados. Dado que haverá água precipitável > 40 mm no litoral, é possível que a chuva intensa continue na região.

[15-16/06/2023] Ciclone e chuva intensa no litoral/serra do RS e SC

A partir de amanhã (15/06), uma ciclogênese no litoral de SC deve causar chuva intensa em áreas do litoral e serra de SC e RS. 

Em grande escala, um cavado com inclinação negativa estava sobre o centro da América do Sul às 0000 UTC do dia 14 (abaixo). Esse cavado começa a ganhar inclinação negativa no dia 15 (mais abaixo), quando a ciclogênese começa, às 0000 UTC do dia 16 tem inclinação negativa sobre o Sul do Brasil (mais abaixo). O cavado nos dias 15 e 16 está associado a intenso movimento ascendente corrente abaixo do eixo, favorecendo queda de pressão no litoral, onde o ciclone se forma.

Em 250 hPa às 0000 UTC do dia 16 (abaixo), o jato estará posicionado de maneira a favorecer movimento ascendente na entrada equatorial, onde o ciclone se formará. Além disso, outro jato mais a norte terá sua saída polar sobre o ciclone, também favorecendo movimento ascendente. Esse acoplamento de dois jatos em altos níveis não é muito comum nesta região. 

Em baixos níveis, o ciclone se formará na costa de SC no dia 15 a norte de um anticiclone anômalo mais a sudeste.

Essa configuração no campo de pressão vai favorecer intenso escoamento de leste a sul do ciclone. O vento em 925 hPa de leste/sudeste (http://atmosferalivre.com/modelos_GFS/GFS_Sul/) será superior a 30 kt às 0000 UTC do dia 16 (abaixo), intensificando para mais de 45 kt na madrugada do dia 16 (mais abaixo). Contudo, conforme o ciclone se afasta da costa na madrugada, o vento deve virar para sul no litoral, diminuindo a convergência ao longo da Serra do Mar. 

A forçante em médios e altos níveis favorecerá chuva generalizada no leste da região Sul, mas o máximo de precipitação será ao longo da Serra do Mar onde a convergência em mesoescala, devido ao vento de leste/sudeste, favorecerá intenso levantamento. A agua precipitável de 35-40 mm e o levantamento intenso ao longo da costa devido à convergência orográfica serão favoráveis a chuva intensa. 

Quanto a precipitação, o GFS (rodada de 0600 UTC do dia 14) indica 200+ mm no nordeste do RS e sudeste de SC, ao longo da Serra do Mar, entre 1200 UTC do dia 15 e 1200 UTC do dia 16. O ECMWF indica acumulados similares. O Cosmo 7 km do INMET indica acumulados um pouco mais baixos (100-150 mm), mas máximo na mesma região. Mesma coisa com o WRF 7 km do CPTEC. Dada a boa consistência entre os modelos, espera-se que a região tenha precipitação de pelo menos 100 mm em 24h, podendo superar 200 mm.  

[23/06/2023] Rio atmosférico no Chile

Um intenso rio atmosférico atingiu o Chile no dia 23-24/Jun. O transporte de umidade associado ao rio atmosférico, mostrado abaixo através do transporte integrado de vapor d’água às 12Z do dia 23 Jun, favoreceu intensa precipitação na costa e ao longo dos Andes, além de neve intensa nos pontos mais altos das montanhas.

Uma crista anômala em médios níveis sobre a costa do Peru e norte do Chile associada a um cavado com orientação positiva no Pacífico Sudeste favorecem intenso escoamento de WNW no Pacifico. 

A água precipitável acima de 40 mm em alguns pontos do rio atmosférico será 2-3 desvios padrão acima da média. Essa quantidade de água precipitável na atmosfera é incomum no inverno, quando a presença de umidade proveniente do Pacifico Tropical é menos comum.

A quantidade de precipitação prevista pelo GFS é muito impressionante, com máximo em 72 h de mais de 200 mm. Nos picos mais altos dos Andes, parte dessa precipitação deve cair como neve, gerando acumulados extremos de neve.

As trajetórias das parcelas que chegam no Chile 12Z de hoje nos últimos 5 dias viajaram pelo Pacifico sul subtropical com orientação bastante zonal. Essas parcelas viajam paralelas ao jato em altos níveis seguindo o escoamento de oeste/noroeste em baixos níveis. A umidade ao longo do rio atmosférico e na costa do Chile se torna elevada provavelmente pela convergência de umidade durante um longo período de tempo, em vez de um transporte direto de uma área com grande quantidade de umidade como o Pacifico Tropical.