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Uma primavera histórica

A primavera meteorológica no Hemisfério Sul (Set-Out-Nov) foi marcada por tempo severo e enchentes no Sul do Brasil e seca histórica na Amazônia. Esse padrão parece ter uma grande correlação com o intenso El Niño presente nos últimos meses, o qual geralmente é associado com mais chuva na região Sul e menos chuva na região Norte do país.

A precipitação na região Sul na primavera foi muito acima da média. Em alguns pontos na fronteira do RS com SC, houve registro de mais que o dobro da precipitação climatológica no período.

O mapa de precipitação acumulada nos últimos 90 dias do INMET evidencia a grande quantidade de precipitação na região, com pontos registrando mais de 1000 mm em 3 meses. 

O número de municípios que decretaram situação de emergência devido a enchentes é impressionante, talvez sem precedentes nas últimas décadas. Entre os eventos mais significativos, destacam-se as enxurradas no Vale do Taquari, RS, com 49 mortos e danos significativos à infraestrutura, e a subida do Guaíba em Porto Alegre, que chegou ao nível mais alto desde 1941.

Em termos de tempo severo, também houve atividade acima da média na primavera de 2023 em comparação a primaveras de outros anos. Em 2015, outro ano com um El Niño intenso, a primavera também foi bastante ativa, indicando que há uma grande correlação entre El Niño e ocorrência de mais eventos de tempo severo e chuva intensa no Sul do Brasil. 

O mapa abaixo mostra os registros preliminares de tempo severo do PRETS de Set-Out-Nov de 2023. Um dado impressionante é que ocorreram mais de 5000 registros nos 3 meses de primavera. No banco de dados, em um ano “normal”, a média é de 6000 registros em todo o Brasil em 1 ano inteiro.

Em particular, as ocorrências de granizo foram muito frequentes nesta primavera, com mais de 300 registros de granizo > 4 cm. Assim como enchentes, ocorrências de granizo causaram múltiplas declarações de situação de emergência no Sul do país. Houve também o evento de tempo severo em SP no dia 03/Nov, quando rajadas de vento severas ocorreram no Estado devido a uma linha de instabilidade, com grande impacto social.

Abaixo estão algumas figuras com anomalias de algumas variáveis na primavera de 2023 para tentar entender como o padrão de grande escala pode ter influenciado a ativa primavera. Em 500 hPa, houve uma alta anômala sobre o litoral do Sudeste e uma baixa anômala sobre a Patagônia. Esse padrão indica escoamento intenso em médios níveis sobre o Sul do Brasil, Uruguai e Argentina central, o que pode ter facilitado a ocorrência de situações com alto cisalhamento profundo e tempo severo no Sul. Além disso, o cavado que se estende para noroeste sobre o Pacífico indica uma frequência maior que o normal de cavados migratórios afetando o Sul do Brasil no período.

A anomalia de vento em 850 hPa indica vento de noroeste centrado sobre o Paraguai, o que potencialmente tem ligação com maior frequência/intensidade do jato de baixos níveis.

A anomalia de água precipitável é bastante impressionante. Há pontos com mais de 6 mm acima da média. Essas anomalias são elevadas dado que o mapa mostra a anomalia para um período de 3 meses. 

Pode-se especular que o cavado anômalo sobre o Pacífico esteve associado a maior frequẽncia de cavados em médios níveis movendo-se perto do Sul do Brasil, o que facilitou a ocorrência de eventos de tempo severo/chuva intensa, e que havia água precipitável bem acima da média no setor favorecendo a ocorrência de chuva intensa. O jato de baixos níveis aparentemente esteve mais ativo que o normal, transportando umidade para e favorecendo levantamento sobre o Sul do Brasil.

[03/11/2023] Tempo severo no Sudeste

Na última sexta-feira (03/11), ocorreram rajadas de vento severas em vários pontos do Sudeste, em particular SP. O mapa de registros preliminares (abaixo) indica uma ampla área do Estado com danos por vento, com inúmeras consequências para a população. 

Algumas imagens dos radares abaixo indicam uma extensa linha de instabilidade sobre boa parte de SP. Esse tipo de sistema tem precedentes na região, mas é relativamente incomum.

Posteriormente, a linha avançou para o leste de SP e RJ.

O ambiente era caracterizado por forçante para levantamento relativamente intensa. A análise do GFS indica um intenso cavado em 500 hPa sobre a região Sul do Brasil, o qual esteve associado ao ciclone sobre o oceano. O cavado favorece levantamento sobre boa parte de SP, onde predomina escoamento de noroeste. 

Em 850 hPa, há escoamento de 30-40 kt de noroeste no setor quente, e uma intensa frente fria sobre o PR e MS avançando para nordeste. A aproximação da frente fria e a convergência associada também favorecem levantamento em escala sinótica sobre SP.

Em 700 hPa, o escoamento também é bastante intenso (> 40 kt). Há água precipitável acima de 40 mm sobre boa parte de SP, associada a alta temperatura potencial equivalente (ar quente e úmido) em baixos níveis. O levantamento é evidente em contornos azuis.

A sondagem de São Paulo às 12Z do dia 03 indica escoamento bastante intenso entre a superfície e médios níveis. Não é muito comum observar um perfil de vento tão favorável quanto este em SP. Havia também alto CAPE (2000+ J/kg), dado que a sondagem ocorreu pela manhã.

Apesar do ambiente favorável a tempo severo, havia incerteza quanto à formação de uma linha de instabilidade. Se a convecção permanecesse discreta (isolada), o evento teria sido possivelmente menos generalizado. O levantamento relativamente intenso em escala sinótica pode ter sido um fator determinante na formação da linha de instabilidade. As linhas de instabilidade que se formam no sul do Sudeste e sul do Centro-Oeste do Brasil geralmente ocorrem precedendo uma frente fria, com intenso levantamento sinótico. Os ventos em baixos e médios níveis paralelos à frente também podem ter favorecido interação entre as tempestades iniciais e formação da linha.

[03-04/11/2023] Ciclone no RS

Um intenso ciclone deve se formar na costa do sul do RS na sexta-feira. Segundo alguns modelos, a pressão no centro do ciclone pode chegar a ~980 hPa < 500 km da costa, o que deve favorecer intensas rajadas de vento no litoral do RS. 

O ciclone se forma devido a um intenso cavado em 500 hPa que avança de oeste e adquire inclinação negativa conforme se aproxima do RS (abaixo). Além disso, ampla advecção quente em baixos níveis favorecerá queda de pressão sobre o RS ao longo do período (mais abaixo), e posteriormente sobre o oceano conforme o ciclone se desloca para leste/sudeste.

O ciclone se formará ao longo do jato de altos níveis (abaixo), mas a liberação de calor latente ao longo do dia amanhã (3) fará com que o jato se divida em dois máximos (mais abaixo), um a noroeste e outro a sudeste do ciclone. Esse processo é relativamente comum em ciclogêneses extratropicais e faz com que o ciclone se posicione na entrada equatorial do jato a sudeste e na saída polar do jato a noroeste, favorecendo intensificação mesmo que o ciclone não tenha mais acesso a ar quente.

A pressão minima prevista pelo GFS é de ~980 hPa, o que seria a menor pressão nessa área nos últimos 40 anos (segundo o ERA5 1979-2019).

O ciclone também pode apresentar aprisionamento do ar quente no centro, o que ocorre em algumas situações em que o ciclone se intensifica rapidamente.

Antes do ciclone, tempestades severas podem ocorrer em uma ampla área Sul do Brasil. Além disso, precipitação intensa deve ocorrer em áreas do centro-norte do RS e SC. O GFS e o ECMWF indicam mais de 150 mm em dois dias, o que pode facilmente levar a novas inundações dado o solo saturado na região.

Conforme o ciclone se intensifica, devem ocorrer rajadas de vento intensas na costa do RS. O GFS indica ventos acima de 60 kt em 925 hPa na madrugada do dia 4.

[11-13/09/2023] Chuva intensa e tempo severo no RS

Houve chuva intensa no RS novamente, com acumulados de 100-200 mm. Vários pontos do Estado registraram aumento dos rios e inundações de áreas próximas. Além disso, tempestades severas causaram granizo em várias localidades.

Tempestades severas 0000 UTC do dia 13.

Um cavado em 500 hPa está causando uma ciclogênese sobre o norte do RS. O centro de baixa pressão no Paraguai, formado em resposta ao intenso escoamento em médios níveis sobre os Andes, se move para sudeste conforme a forçante associada ao cavado se aproxima. Esse ciclone vai seguir em direção ao litoral norte do RS e litoral de SC.

O ciclone não é muito intenso em termos de pressão central (1006-1010 hPa), mas o gradiente de pressão tem sido suficiente para causar ventos de 30-40 kt em 850 hPa. Com isso, advecção quente ocorre ao longo da frente estacionária que em superfície está próxima do centro do RS nesta manhã. A advecção quente tem favorecido intensa precipitação e tempestades severas elevadas sobre o ar relativamente frio em superfície. 

Este evento tem similaridades em escala sinótica com a configuração que favoreceu a chuva intensa no Vale do Taquari nos dias 03-04. Em ambos casos, havia um intenso cavado migratório que interagiu com uma frente sobre o RS, favorecendo advecção quente ao longo da frente. Contudo, o transporte de umidade no evento em andamento é significativamente menos intenso (abaixo comparação dos dois eventos).

As anomalias de água precipitável no evento do dia 04 eram muito mais altas. Havia uma ampla área com anomalias positivas no dia 04.

Acredito que os dias que precederam os dois eventos foram bastante diferentes. Antes do evento do dia 04 e nos últimos dias de agosto, um cavado anômalo na costa do Sudeste (abaixo) fez com que houvesse persistente transporte de umidade da Amazônia para o centro e leste do Brasil.  

No dia 30, por exemplo, havia uma ampla área com anomalia positiva de água precipitável no Sudeste e Centro-Oeste.

Conforme o intenso cavado em médios níveis se aproximou do Sul do Brasil, essa umidade foi rapidamente transportada para sul devido ao intenso e profundo jato em baixos níveis. Com isso, as anomalias de água precipitável no RS eram de 3+ desvios padrão acima da média.

O mesmo não ocorreu no último evento. O cavado, apesar de ser intenso, não foi capaz de transportar grandes quantidades de umidade para o RS, principalmente porque não havia uma massa de ar úmida nos subtrópicos.

[06-07/09/2023] Outro evento de chuva intensa no RS e Uruguai

Chuva intensa ocorreu entre o norte do Uruguai e sul do RS entre os dias 06 e 07/09, levando a enchentes em algumas cidades. Várias cidades na região registraram 100-200 mm no período. 

Mais uma vez, um intenso cavado em médios níveis favoreceu intenso levantamento na região. Contudo, há várias diferenças em relação ao evento dos dias 03-04. A discussão se baseia nas análises do GFS de 06Z do da 07.

O máximo de vorticidade em 500 hPa associado ao cavado está mais a sul neste caso, favorecendo uma ciclogênese sobre a costa da Argentina. O cavado não é tão compacto quanto o último e há uma crista mais intensa corrente abaixo a leste da Argentina. Essa crista em médios níveis mantém um intenso anticiclone em superfície.

Além disso, o jato de altos níveis não está em uma posição tão favorável. Há um jato no Atlântico com orientação sudoeste-nordeste, mas um tanto longe da região onde ocorria movimento ascendente intenso (contornos vermelhos). Portanto, o levantamento neste caso esteve mais associado a forçantes em baixos níveis.

Em 850 hPa, há uma frente quente que se estende do norte da Argentina até o centro do Uruguai e costa teste do RS, evidente no gradiente de temperatura potencial equivalente. A mudança na direção do vento de norte/noroeste no setor quente para sudeste a sul da frente indica acentuada convergência em baixos níveis. Além disso, a advecção quente é bastante intensa ao longo da frente. Essa é uma clássica frente quente associada a chuva intensa, relativamente comum na primavera. 

O intenso movimento ascendente, resultado principalmente da intensa advecção quente em baixos níveis, coincide com uma área com instabilidade elevada (MUCAPE > 250 J/kg), favorecendo tempestades convectivas. Em áreas do sul do RS, há relatos de que houve intensa atividade elétrica acompanhando a chuva intensa por mais de 12h durante a madrugada do dia 07.

A anomalia de água precipitável indica mais de 2 desvios padrão na região durante a chuva intensa. Essa anomalia se deve ao rápido transporte de umidade pelo vento em baixos níveis. Em 700 hPa, o vento excedeu 50 kt, indicando um profundo jato capaz de transportar grande quantidade de umidade. 

Um fator que provavelmente contribuiu para que a frente quente não se movesse tanto para sul, apesar do intenso escoamento de norte/noroeste, foi um intenso anticiclone que estava presente no Atlântico. Com mais de 1036 hPa no centro, esse anticiclone manteve intenso escoamento de nordeste ao longo da costa do RS e Uruguai, no setor frio. O anticiclone anômalo favoreceu intenso movimento ascendente ao longo da frente quente. O gradiente de temperatura acentuado ao longo da frente quente (pela presença de ar frio no oceano) e o vento em baixos níveis intenso (pelo forte gradiente de pressão) foram importantes neste caso.

Mais uma vez, várias oportunidades de pesquisa podem ser exploradas neste caso:

– A influência de anticiclones no Atlântico nas frentes quentes e estacionárias associadas a chuva intensa no sul do Brasil;

– A relação entre a estrutura do jato de baixos níveis e a advecção quente ao longo das frentes;

– Quais padrões de circulação no Pacífico favorecem esses períodos de alta atividade convectiva no Sul do Brasil. Muitas vezes, quando a atmosfera está favorável a um evento extremo, é mais provável que outros eventos extremos ocorram em seguida porque a configuração em grande escala já é anormal.

[03-04/09/2023] Chuva intensa no RS

Além do tempo severo generalizado, houve chuva intensa em partes do centro e norte do RS entre os dias 3 e 4/09. Algumas cidades registraram enchentes significativas, principalmente no centro do RS. 

O intenso cavado em médios níveis que favoreceu a sequência de tempo severo e chuva intensa é impressionante pela localização em latitudes bastante baixas (vou utilizar 0600 UTC do dia 04 como exemplo.. Não é muito comum ver um cavado anômalo que se estende até o sul da Bolívia e se move para leste. Geralmente os cavados migratórios que se movem para leste ocorrem mais a sul. Além disso, o cavado tem um eixo bastante acentuado, ou seja, não é um cavado “suave”. Isso gera um jato bastante meridional (mais abaixo), favorecendo levantamento mais intenso na dianteira do cavado. As duas cristas anômalas corrente acima e corrente abaixo do cavado possivelmente tiveram um papel importante neste caso.

Com isso, houve escoamento muito intenso em baixos níveis na dianteira do cavado e amplo transporte de umidade em direção ao Sul do Brasil. O escoamento em 700 hPa, por exemplo, estava acima de 50 kt na madrugada do dia 04 (abaixo). Chama a atenção também a enorme área com vento > 50 kt. O jato de baixos níveis também era bastante profundo, o que causou eficiente transporte de umidade. Como exemplo, o transporte de vapor d’água integrado (abaixo) estava bastante intenso.

Como resultado desta situação “anomalamente dinâmica” e o amplo transporte de umidade, o ambiente onde ocorreu chuva intensa era caracterizado por anomalias de água precipitável perto de 3 desvios padrão.

O levantamento era bastante intenso na saída do jato de baixos níveis, conforme mostrado em contornos azuis no campo de vento em 700 hPa e água precipitável mais acima. Além disso, o levantamento também era favorecido pelo jato de altos níveis, cuja entrada equatorial, onde ocorrem circulações ageostróficas favoráveis a movimento ascendente, se posicionava sobre a região.

O ambiente bastante úmido, o levantamento intenso associado ao cavado + advecção quente na saída do jato de baixos níveis, e a presença de CAPE favorável a tempestades convectivas, causaram altas taxas de precipitação. 

Um tópico interessante para pesquisa é a relação do formato do cavado em médios níveis com as condições de tempo corrente abaixo. Este caso é um tanto atípico, pois o cavado estava bastante a norte e era bem acentuado. Quão comum é este tipo de cavado? Esta configuração está sempre associada a maior potencial de eventos extremos (tempo severo e chuva intensa), ou este caso representou uma improvável combinação de fatores?

[22-23/07/2023] Tempo severo associado a intenso jato em altos níveis e ciclone

O jato de altos níveis está bastante intenso sobre a Bacia do Prata (abaixo) e tem causado vento Zonda a sotavento dos Andes.

O jato está associado a um cavado com inclinação positiva que se estende do Chile até o Pacífico subtropical em 500 hPa.

O jato favorece baixa pressão a leste dos Andes e intenso escoamento de noroeste em baixos níveis associado a advecção quente. A advecção quente (abaixo) e o movimento ascendente na saída polar do jato em altos níveis favorecem um intenso (<996 hPa) ciclone sobre o Uruguai e RS hoje. O jato de altos níveis também apresenta difluência nesta região. A advecção quente é bastante intensa e generalizada no setor quente e favoreceu a formação de algumas tempestades no RS na madrugada. 

O ciclone tem anomalias padronizadas de PNMM abaixo de -4 desvios padrão.

Tempo severo é possível hoje no RS. O intenso escoamento de noroeste em baixos níveis promove transporte de umidade para a região. O GFS indica CAPE > 3000 J/kg na tarde de hoje. Essa instabilidade e o escoamento de 40-50 kt em 850 hPa favorecerão tempestades severas no RS. A maior incerteza está na ocorrência de convecção, dado que há considerável inibição à convecção apesar do levantamento intenso. 

O potencial de tempo severo continua amanhã. O jato em altos níveis se torna ainda mais intenso conforme se move para leste sobre o Sul do Brasil. A frente fria avança até o centro do RS enquanto que ar quente e úmido segue presente no norte do Estado. Dessa maneira, tempestades podem se formar ao longo da frente no centro e norte do RS.

O fim de agosto já tem apresentado algumas situações comuns na primavera (Set-Out). Talvez o intenso El Niño esperado para os próximos meses favoreça uma primavera bastante ativa em termos de tempo severo.

[11-13/07/2023] Tempo severo e intenso ciclone no Sul do Brasil

Um intenso cavado com inclinação negativa evidente no campo de vorticidade potencial na alta troposfera (abaixo) está causando uma intensa ciclogênese sobre o RS. O acoplamento dos jatos também favorecerá a intensificação do ciclone, que estará localizado na saída polar do jato que se estende do Pacifico até o PR/SC, circulando o cavado, e a entrada equatorial do outro jato mais a sul sobre o Atlântico. O jato sobre o Atlântico se intensifica conforme a liberação de calor latente em médios e altos níveis devido a convecção e precipitação ao longo da frente quente causa divergência em altos níveis (setas pretas). O vento divergente causa um aumento do gradiente de vorticidade potencial, que acelera o jato.

Outro fator que favorece este intenso ciclone é a presença de umidade. Nos últimos 3 dias houve escoamento de norte/noroeste em baixos níveis sobre o Paraguai, Bolívia, MS e MT, o que transportou ar quente e úmido para o RS.  Por exemplo, a água precipitável hoje 12Z sobre o centro do RS era 2-3 desvios padrão acima da média, excedendo 40 mm em alguns pontos. O intenso escoamento de noroeste transportando ar quente e úmido para o RS é reforçada conforme o ciclone se intensifica e acelera os ventos em baixos níveis.

A alta umidade também tem favorecido chuva intensa e tempestades severas no norte do RS, SC e sul do PR. Na última madrugada, por exemplo, houve granizo grande (6-10 cm) em áreas do centro-norte do RS. https://twitter.com/krisna_puntel/status/1679036082090909697

A ocorrência de granizo foi devido a frente quente que avança para sul na saída do jato de baixos níveis, precedendo a ciclogênese. Advecção quente ocorria ao longo e a norte da frente quente que estava no centro do RS. Com isso, tempestades elevadas capazes de causar granizo grande se formaram na região. Essa situação de granizo grande associado a tempestades elevadas perto de uma frente quente é relativamente comum no Sul do Brasil durante o inverno. 

Hoje, há potencial de tempo severo principalmente no norte do RS (https://twitter.com/prevots_svr/status/1679119592977833985). Um ciclone intenso como esse remete ao evento de tempo severo de 30 de junho de 2020, que precedeu a ciclogênese explosiva no dia seguinte na costa do RS e SC. O CAPE naquela ocasião era bastante baixo, assim como hoje. Além disso, há indícios de que uma linha de instabilidade se organiza no oeste do RS neste momento. Portanto, apesar de um pouco menos de instabilidade no ambiente hoje, há potencial de rajadas de vento severas associadas a esta linha. Além disso, outras tempestades podem se formar no norte do RS e SC à tarde.

A pressão na superfície no centro do ciclone vai cair rapidamente a partir da madrugada de amanhã (13) conforme o ciclone se move para leste. O ciclone estará com pressão abaixo de 1000 hPa sobre o RS durante o dia de hoje, o que já é bastante baixa (< 3 desvios padrão abaixo da média; abaixo). 

Depois, a pressão cai para 990-994 hPa conforme o ciclone se intensifica sobre o Atlântico (abaixo), chegando a 4 desvios padrão abaixo do normal. Interessante notar que o ciclone tem vários núcleos pequenos com mínimos de pressão que provavelmente se formam devido a convecção/precipitação intensa e localizada e liberação de calor latente associada. 

Estes mínimos de pressão favorecerão vento intenso em algumas áreas. O GFS, por exemplo, indica ventos em 850 hPa 5-6 desvios padrão acima do normal, com magnitude de 100-120 km/h. Esse intenso escoamento em baixos níveis deve favorecer rajadas de mais de 100 km/h no litoral do RS. Ao longo da costa do Sul e Sudeste, o avanço da frente fria no dia 13 deve ser responsável por rajadas de vento intensas.

[07-08/07/2023] Chuva intensa no RS

Um evento de precipitação intensa é esperado no centro do RS a partir de amanhã (07/07). O evento ocorrerá algumas semanas após a catastrófica chuva no leste e nordeste do Estado que deixou 16 mortos. Por isso, há bastante repercussão na mídia sobre os potenciais danos, apesar de que o evento de amanhã será menos expressivo.

A chuva intensa ocorrerá associada a uma frente estacionária, com um intenso jato de baixos níveis no setor quente e intensa convergência ao longo da frente. Este padrão é bastante clássico em eventos de chuva intensa no RS no inverno. A previsão do GFS de vento em 250 hPa, espessura 1000-500 hPa e pressão ao nível médio do mar (PNMM) para 06Z do dia 07 (abaixo) indica acentuado gradiente de espessura no centro da Argentina associado a um intenso (>80 m/s) jato em 250 hPa. Este gradiente está associado a uma frente estacionária em torno de 33S, entre o anticiclone frio no centro-sul da Argentina e a massa de ar quente no norte da Argentina e Paraguai. O centro de baixa pressão no noroeste da Argentina e Paraguai causa escoamento de noroeste sobre a região e transporte de ar quente e úmido em direção à frente, enquanto que o movimento do anticiclone para norte favorece a advecção fria em baixos níveis a sul da frente. 

Às 18Z do dia 07, o anticiclone avança para nordeste e o centro de baixa pressão no norte da Argentina e Paraguai se intensifica. O jato em altos níveis perde intensidade conforme a convecção (que já deve estar ocorrendo neste momento) redistribui momentum. 

O levantamento associado à convecção e à ocorrência de chuva intensa pode ser parcialmente atribuído ao cavado em 500 hPa que atravessa os Andes a partir do início do dia 07 e estará corrente acima do RS às 18Z (abaixo). Este cavado se torna difuso após atravessar as montanhas e interagir com a convecção.

Em baixos níveis, haverá intensa convergência ao longo da frente, onde os ventos de leste associados ao anticiclone a sul da frente encontram ventos de noroeste devido ao centro de baixa pressão mais a norte. O jato de baixos níveis deve chegar a 30-40 kt durante a tarde e promover convergência e advecção quente no setor quente. A instabilidade será baixa para tempestades severas, mas convecção intensa pode ocorrer ao longo da frente e causar altas taxas de precipitação entre o dia 07 e a madrugada do dia 08.

A convecção ao longo da frente deve ser elevada, uma vez que haverá ar frio (e vento de leste) em superfície associado ao anticiclone mais a sul. Uma sondagem do GFS às 00Z do dia 08, próximo de quando a chuva deve ser mais intensa, indica um impressionante escoamento de noroeste em acima de 800 hPa sobre escoamento de leste dentro do ar levemente mais frio abaixo. O escoamento de noroeste é bastante profundo, com o vento noroeste se estendendo até ~3 km de altura. 

O campo de vento e altura geopotencial em 700 hPa (abaixo) indica escoamento de 40-50 kt no setor quente e intensa convergência ao longo da frente. Além disso, haverá água precipitável > 40 mm (sombreado amarelo) e intenso levantamento (contornos azuis), uma condição bastante favorável para chuva intensa. O levantamento intenso ao longo da frente se deve principalmente à acentuada convergência em baixos níveis ao longo da frente.

O GFS indicava o máximo de precipitação no centro do RS, alinhado com a latitude 30S, nas rodadas dos dias 04 e 05, mas nas rodadas do dia 06 indica a maior precipitação um pouco mais a sul.

O acumulado de precipitação entre 12Z do dia 07 e 12Z do dia 08, conforme previsão das 12Z do GFS, indica > 100 mm em alguns pontos, sendo possível acumulados > 150 mm na região.

Já o ECMWF indica o máximo mais a norte, no centro do RS. Se a previsão do ECMWF se confirmar, será uma péssima situação para a região metropolitana de Porto Alegre, que recentemente foi atingida por outro evento de precipitação intensa. A diferença na localização da chuva mais intensa parece não ser devido ao posicionamento da frente, que parece similar entre os dois modelos.

Embora eventos de precipitação intensa ao longo de frentes estacionárias sejam comuns no sul do Brasil, este evento pode ser significativo dado o potencial de precipitação acima de 100 mm em 24 h em uma ampla área, causando alta vazão dos rios.

Atualização (12Z de 08/07/2023):

A precipitação mais intensa observada ocorreu bastante a norte do que os modelos globais indicavam, ficando inclusive a norte da região metropolitana de Porto Alegre. O máximo ocorreu no sudeste de SC 136 mm entre 12Z do dia 07 e 12Z do dia 08.

O Cosmo do INMET, na rodada de ontem (07) 00Z, indicava corretamente esse máximo mais a norte.

Os avisos emitidos pelo INMET e CEMADEN antes do evento foram muito abrangentes, compreendendo todo o centro e sul do RS. Além disso, não indicaram o máximo de precipitação no nordeste do RS e sudeste de SC. O INMET emitiu um outro aviso na tarde de ontem (07), quando o evento estava iniciando, para as áreas do nordeste do RS e sudeste de SC (https://twitter.com/inmet_/status/1677381314893467649). O aviso incluía a região metropolitana de Porto Alegre, que não teve acumulados expressivos, e não inclui áreas da Serra do RS que tiveram ~100 mm em 24h.

Escoamento amplificado sobre a América do Sul / intenso jato nos Andes / frio no Nordeste

O escoamento no entorno da América do Sul está bastante amplificado neste início de julho/2023. O mapa de anomalias padronizadas em 500 hPa (abaixo) mostra:

1) Um amplo vórtice associado a um cavado anômalo a oeste do Chile (< -2.5 sigma) no Pacifico Sudeste, associado a um intenso jato de altos níveis sobre os Andes;

2) Um anticiclone anômalo (>2 sigma) centrado na Bolívia associado a uma ampla crista que se estende até as ilhas Geórgia e Sandwich do Sul;

3) Um intenso cavado anômalo (< -4 sigma) sobre o Atlântico na costa do Sudeste/Nordeste.

O escoamento no Pacifico Sul estava bastante amplificado desde a última semana de junho. Uma incursão de ar quente e úmido (anomalia de água precipitável abaixo) sobre o mar de Ross, na Antártica (entre 160 e 140 W) amplificou a crista em 500 hPa (segunda figura abaixo) e favoreceu o movimento do cavado para norte no Pacifico Sudeste. 

Com a intensificação do cavado em 500 hPa a oeste do Chile, o jato em altos níveis se tornou ainda mais intenso, atingindo mais de 100 m/s sobre os Andes. Isto ocorre porque tanto o cavado a sudoeste quanto a crista a nordeste do jato são bastante anômalos, favorecendo intenso gradiente de altura geopotencial (pressão) e intensos ventos. A temperatura em 500 hPa sobre o sul da Bolívia e norte da Argentina, no centro da crista, esteve acima de 0C na análise do GFS de 1200 UTC do dia 2. O gradiente de espessura 1000-500 hPa na costa do Chile também é bastante realçado conforme o cavado avança para nordeste, indicando intenso vento térmico. Conforme o cavado avança para leste associado a uma frente fria a leste dos Andes, tempestades intensas podem ocorrer na província de Buenos Aires nos dias 3 e 4.

Em termos de anomalias padronizadas, o cavado na costa do Sudeste é ainda mais intenso. A altura geopotencial em 500 hPa é > 4 desvios padrão acima da média. Além disso, os ventos meridionais em 250 hPa (figura abaixo) na retaguarda e na dianteira do cavado atingem anomalias de 5+ desvios padrão acima da média, o que é praticamente sem precedentes nas últimas décadas.

Uma intensa ciclogênese deve ocorrer no Atlântico no dia 3 devido à forçante para levantamento causada pelo cavado em 500 hPa. Com isso, ar frio será impulsionado para norte pela costa do ES e BA, afetando estados do Nordeste nos dias 4 e 5. As anomalias de temperatura em 850 hPa devem chegar a 2-3 desvios padrão abaixo da média, o que deve garantir temperaturas mínimas e máximas alguns graus abaixo da média em alguns pontos. Essas incursões de ar frio são relativamente incomuns no Nordeste, e geralmente requerem um escoamento bastante amplificado como neste caso. 

A incursão de ar quente e úmido sobre o Mar de Ross nos últimos dias de junho foi associada à intensificação do escoamento em médios níveis (que já estava amplificado antes). Isto provocou um avanço do cavado anômalo para nordeste sobre o Pacifico Sudeste, intensificação do gradiente de espessura 1000-500 hPa e do jato de altos níveis (> 100 m/s), e avanço de uma frente fria associada a potenciais tempestades severas na província de Buenos Aires. Além disso, o cavado na costa do Brasil se intensificou em resposta ao cavado no Pacifico Sudeste e a crista na Bolívia, favorecendo uma incursão de ar frio um pouco atípica no Nordeste.