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[10-13/03/2024] Tempo severo na Argentina, Uruguai e RS
Tempestades severas devem ocorrer em partes da Argentina, Uruguai e RS nos próximos dias. Abaixo uma sequência de figuras com CAPE da parcela mais instável e cisalhamento entre 0 e 6 km às 1800 UTC dos dias 10-12/03. Os altos valores de CAPE (>3000 J/kg) associados a cisalhamento 0-6-km > 30 kt em uma ampla área é similar ao que ocorre no auge da primavera. Esses ambientes devem suportar supercélulas com potencial de granizo muito grande na Argentina, e eventualmente sistemas convectivos de mesoescala que devem se propagar para áreas mais a leste como Uruguai e RS.
As condições favoráveis a tempo severo por vários dias seguidos parecem estar associadas a uma mudança no padrão de circulação em grande escala. Uma sequência de cavados em médios níveis deve avançar desde o Pacifico sul até as imediações dos Andes a partir de hoje, favorecendo escoamento de norte em boa parte da Bacia do Prata.
A sequência de imagens abaixo mostra os campos em 500 hPa às 0000 UTC dos dias 10-13/03. Alguns aspectos dessa sequência de mapas:
1) Amplo escoamento de sudoeste em latitudes médias em torno de 100W favorece o movimento para nordeste de vários cavados desde 50-60S até 30-40S próximo dos Andes, onde esses cavados influenciam as condições na Bacia do Prata.
2) Uma crista se intensifica sobre o centro do Brasil, o que deve favorecer mais intenso gradiente de geopotencial, jato de altos níveis e consequentemente cisalhamento profundo sobre a Bacia do Prata.
Alguns fatores associados à mudança de regime em médios níveis podem estar corrente acima no Pacifico Sul. As anomalias de geopotencial em 500 hPa no dia 09 0000 UTC indicam um bloqueio de Rex em torno de 135W. A crista associada a esse bloqueio estabelece escoamento de sudoeste em torno de 100W em latitudes médias, o que permite que os cavados em médios níveis avancem para nordeste em direção aos Andes, favorecendo tempo severo na Bacia do Prata.
E voltando no tempo um pouco mais, nota-se uma área com anomalias positivas de água precipitável que se estende de noroeste para sudeste a leste da linha de mudança de data (180 graus). Esse fluxo de água precipitável em direção a latitudes médias parece ser responsável pela formação da crista que faz parte do bloqueio de Rex alguns dias depois.
[14/01/2024] Chuva intensa no RJ
Chuva intensa ocorreu na região metropolitana do RJ nesta madrugada. O mapa do Cemaden abaixo mostra mais de 200 mm em 24h em alguns pontos de Nova Iguaçu, e mais de 100 mm no Rio e Niterói.
Uma das estações em Nova Iguaçu indicou mais de 40 mm/h por 3 h consecutivas. O pico da precipitação ocorreu em torno de 0200 UTC.
O radar do Pico do Couto às 0200 UTC indicava uma estreita faixa com refletividade acima de 40 dBZ e orientação sudeste-noroeste. Esta banda de precipitação intensa se concentrou sobre a região metropolitana do RJ por mais de 3 horas. A animação também indica rotação em mesoescala nessa região: os núcleos convectivos ao longo da banda de refletividade mais intensa se moviam para noroeste enquanto que a precipitação mais fraca a nordeste se movia para sudeste, conforme indicado na figura.
O GFS indicava alguns máximos de vorticidade em 500 hPa sobre o Estado do RJ na analise do dia 14 às 0000 UTC. Contudo, a localizacao desses vortices em 500 hPa (e em 700 hPa) nao parece correta quando comparada ao movimento da precipitacao no radar. Esse tipo de vortice de mesoescala que ocorre devido a conveccao intensa no verao é geralmente mal previsto por modelos globais.
Havia intensa água precipitável sobre o litoral do RJ no momento da chuva intensa. A análise do GFS indica mais de 64 mm, o que é bastante alto mesmo para o RJ no verão. Notem também o vento de sul em 700 hPa, que também estava presente em 850 hPa (mais abaixo). O vento sul se deve ao avanço de ar mais frio e seco pela costa do Sul e Sudeste após a passagem da frente oceânica. Esse vento de sul favorece o levantamento orográfico. Portanto, havia uma condição favorável à chuva intensa bastante conhecida na região. A rotação em mesoescala possivelmente ajudou a realçar a precipitação intensa através da formação da banda de precipitação.
A sondagem do aeroporto do Galeão às 0000 UTC do dia 14 indicava impressionantes 69 mm de água precipitável.
A performance dos modelos foi bastante ruim. O GFS indicava chuva mais intensa mais a norte, sobre o norte do RJ e sul de MG, onde o modelo indicava alguns vórtices de mesoescala.
O modelo canadense indicava chuva intensa na região serrana do RJ.
Uma primavera histórica
A primavera meteorológica no Hemisfério Sul (Set-Out-Nov) foi marcada por tempo severo e enchentes no Sul do Brasil e seca histórica na Amazônia. Esse padrão parece ter uma grande correlação com o intenso El Niño presente nos últimos meses, o qual geralmente é associado com mais chuva na região Sul e menos chuva na região Norte do país.
A precipitação na região Sul na primavera foi muito acima da média. Em alguns pontos na fronteira do RS com SC, houve registro de mais que o dobro da precipitação climatológica no período.
O mapa de precipitação acumulada nos últimos 90 dias do INMET evidencia a grande quantidade de precipitação na região, com pontos registrando mais de 1000 mm em 3 meses.
O número de municípios que decretaram situação de emergência devido a enchentes é impressionante, talvez sem precedentes nas últimas décadas. Entre os eventos mais significativos, destacam-se as enxurradas no Vale do Taquari, RS, com 49 mortos e danos significativos à infraestrutura, e a subida do Guaíba em Porto Alegre, que chegou ao nível mais alto desde 1941.
Em termos de tempo severo, também houve atividade acima da média na primavera de 2023 em comparação a primaveras de outros anos. Em 2015, outro ano com um El Niño intenso, a primavera também foi bastante ativa, indicando que há uma grande correlação entre El Niño e ocorrência de mais eventos de tempo severo e chuva intensa no Sul do Brasil.
O mapa abaixo mostra os registros preliminares de tempo severo do PRETS de Set-Out-Nov de 2023. Um dado impressionante é que ocorreram mais de 5000 registros nos 3 meses de primavera. No banco de dados, em um ano “normal”, a média é de 6000 registros em todo o Brasil em 1 ano inteiro.
Em particular, as ocorrências de granizo foram muito frequentes nesta primavera, com mais de 300 registros de granizo > 4 cm. Assim como enchentes, ocorrências de granizo causaram múltiplas declarações de situação de emergência no Sul do país. Houve também o evento de tempo severo em SP no dia 03/Nov, quando rajadas de vento severas ocorreram no Estado devido a uma linha de instabilidade, com grande impacto social.
Abaixo estão algumas figuras com anomalias de algumas variáveis na primavera de 2023 para tentar entender como o padrão de grande escala pode ter influenciado a ativa primavera. Em 500 hPa, houve uma alta anômala sobre o litoral do Sudeste e uma baixa anômala sobre a Patagônia. Esse padrão indica escoamento intenso em médios níveis sobre o Sul do Brasil, Uruguai e Argentina central, o que pode ter facilitado a ocorrência de situações com alto cisalhamento profundo e tempo severo no Sul. Além disso, o cavado que se estende para noroeste sobre o Pacífico indica uma frequência maior que o normal de cavados migratórios afetando o Sul do Brasil no período.
A anomalia de vento em 850 hPa indica vento de noroeste centrado sobre o Paraguai, o que potencialmente tem ligação com maior frequência/intensidade do jato de baixos níveis.
A anomalia de água precipitável é bastante impressionante. Há pontos com mais de 6 mm acima da média. Essas anomalias são elevadas dado que o mapa mostra a anomalia para um período de 3 meses.
Pode-se especular que o cavado anômalo sobre o Pacífico esteve associado a maior frequẽncia de cavados em médios níveis movendo-se perto do Sul do Brasil, o que facilitou a ocorrência de eventos de tempo severo/chuva intensa, e que havia água precipitável bem acima da média no setor favorecendo a ocorrência de chuva intensa. O jato de baixos níveis aparentemente esteve mais ativo que o normal, transportando umidade para e favorecendo levantamento sobre o Sul do Brasil.
[03/11/2023] Tempo severo no Sudeste
Na última sexta-feira (03/11), ocorreram rajadas de vento severas em vários pontos do Sudeste, em particular SP. O mapa de registros preliminares (abaixo) indica uma ampla área do Estado com danos por vento, com inúmeras consequências para a população.
Algumas imagens dos radares abaixo indicam uma extensa linha de instabilidade sobre boa parte de SP. Esse tipo de sistema tem precedentes na região, mas é relativamente incomum.
Posteriormente, a linha avançou para o leste de SP e RJ.
O ambiente era caracterizado por forçante para levantamento relativamente intensa. A análise do GFS indica um intenso cavado em 500 hPa sobre a região Sul do Brasil, o qual esteve associado ao ciclone sobre o oceano. O cavado favorece levantamento sobre boa parte de SP, onde predomina escoamento de noroeste.
Em 850 hPa, há escoamento de 30-40 kt de noroeste no setor quente, e uma intensa frente fria sobre o PR e MS avançando para nordeste. A aproximação da frente fria e a convergência associada também favorecem levantamento em escala sinótica sobre SP.
Em 700 hPa, o escoamento também é bastante intenso (> 40 kt). Há água precipitável acima de 40 mm sobre boa parte de SP, associada a alta temperatura potencial equivalente (ar quente e úmido) em baixos níveis. O levantamento é evidente em contornos azuis.
A sondagem de São Paulo às 12Z do dia 03 indica escoamento bastante intenso entre a superfície e médios níveis. Não é muito comum observar um perfil de vento tão favorável quanto este em SP. Havia também alto CAPE (2000+ J/kg), dado que a sondagem ocorreu pela manhã.
Apesar do ambiente favorável a tempo severo, havia incerteza quanto à formação de uma linha de instabilidade. Se a convecção permanecesse discreta (isolada), o evento teria sido possivelmente menos generalizado. O levantamento relativamente intenso em escala sinótica pode ter sido um fator determinante na formação da linha de instabilidade. As linhas de instabilidade que se formam no sul do Sudeste e sul do Centro-Oeste do Brasil geralmente ocorrem precedendo uma frente fria, com intenso levantamento sinótico. Os ventos em baixos e médios níveis paralelos à frente também podem ter favorecido interação entre as tempestades iniciais e formação da linha.
[03-04/11/2023] Ciclone no RS
Um intenso ciclone deve se formar na costa do sul do RS na sexta-feira. Segundo alguns modelos, a pressão no centro do ciclone pode chegar a ~980 hPa < 500 km da costa, o que deve favorecer intensas rajadas de vento no litoral do RS.
O ciclone se forma devido a um intenso cavado em 500 hPa que avança de oeste e adquire inclinação negativa conforme se aproxima do RS (abaixo). Além disso, ampla advecção quente em baixos níveis favorecerá queda de pressão sobre o RS ao longo do período (mais abaixo), e posteriormente sobre o oceano conforme o ciclone se desloca para leste/sudeste.
O ciclone se formará ao longo do jato de altos níveis (abaixo), mas a liberação de calor latente ao longo do dia amanhã (3) fará com que o jato se divida em dois máximos (mais abaixo), um a noroeste e outro a sudeste do ciclone. Esse processo é relativamente comum em ciclogêneses extratropicais e faz com que o ciclone se posicione na entrada equatorial do jato a sudeste e na saída polar do jato a noroeste, favorecendo intensificação mesmo que o ciclone não tenha mais acesso a ar quente.
A pressão minima prevista pelo GFS é de ~980 hPa, o que seria a menor pressão nessa área nos últimos 40 anos (segundo o ERA5 1979-2019).
O ciclone também pode apresentar aprisionamento do ar quente no centro, o que ocorre em algumas situações em que o ciclone se intensifica rapidamente.
Antes do ciclone, tempestades severas podem ocorrer em uma ampla área Sul do Brasil. Além disso, precipitação intensa deve ocorrer em áreas do centro-norte do RS e SC. O GFS e o ECMWF indicam mais de 150 mm em dois dias, o que pode facilmente levar a novas inundações dado o solo saturado na região.
Conforme o ciclone se intensifica, devem ocorrer rajadas de vento intensas na costa do RS. O GFS indica ventos acima de 60 kt em 925 hPa na madrugada do dia 4.
[11-13/09/2023] Chuva intensa e tempo severo no RS
Houve chuva intensa no RS novamente, com acumulados de 100-200 mm. Vários pontos do Estado registraram aumento dos rios e inundações de áreas próximas. Além disso, tempestades severas causaram granizo em várias localidades.
Tempestades severas 0000 UTC do dia 13.
Um cavado em 500 hPa está causando uma ciclogênese sobre o norte do RS. O centro de baixa pressão no Paraguai, formado em resposta ao intenso escoamento em médios níveis sobre os Andes, se move para sudeste conforme a forçante associada ao cavado se aproxima. Esse ciclone vai seguir em direção ao litoral norte do RS e litoral de SC.
O ciclone não é muito intenso em termos de pressão central (1006-1010 hPa), mas o gradiente de pressão tem sido suficiente para causar ventos de 30-40 kt em 850 hPa. Com isso, advecção quente ocorre ao longo da frente estacionária que em superfície está próxima do centro do RS nesta manhã. A advecção quente tem favorecido intensa precipitação e tempestades severas elevadas sobre o ar relativamente frio em superfície.
Este evento tem similaridades em escala sinótica com a configuração que favoreceu a chuva intensa no Vale do Taquari nos dias 03-04. Em ambos casos, havia um intenso cavado migratório que interagiu com uma frente sobre o RS, favorecendo advecção quente ao longo da frente. Contudo, o transporte de umidade no evento em andamento é significativamente menos intenso (abaixo comparação dos dois eventos).
As anomalias de água precipitável no evento do dia 04 eram muito mais altas. Havia uma ampla área com anomalias positivas no dia 04.
Acredito que os dias que precederam os dois eventos foram bastante diferentes. Antes do evento do dia 04 e nos últimos dias de agosto, um cavado anômalo na costa do Sudeste (abaixo) fez com que houvesse persistente transporte de umidade da Amazônia para o centro e leste do Brasil.
No dia 30, por exemplo, havia uma ampla área com anomalia positiva de água precipitável no Sudeste e Centro-Oeste.
Conforme o intenso cavado em médios níveis se aproximou do Sul do Brasil, essa umidade foi rapidamente transportada para sul devido ao intenso e profundo jato em baixos níveis. Com isso, as anomalias de água precipitável no RS eram de 3+ desvios padrão acima da média.
O mesmo não ocorreu no último evento. O cavado, apesar de ser intenso, não foi capaz de transportar grandes quantidades de umidade para o RS, principalmente porque não havia uma massa de ar úmida nos subtrópicos.
[06-07/09/2023] Outro evento de chuva intensa no RS e Uruguai
Chuva intensa ocorreu entre o norte do Uruguai e sul do RS entre os dias 06 e 07/09, levando a enchentes em algumas cidades. Várias cidades na região registraram 100-200 mm no período.
Mais uma vez, um intenso cavado em médios níveis favoreceu intenso levantamento na região. Contudo, há várias diferenças em relação ao evento dos dias 03-04. A discussão se baseia nas análises do GFS de 06Z do da 07.
O máximo de vorticidade em 500 hPa associado ao cavado está mais a sul neste caso, favorecendo uma ciclogênese sobre a costa da Argentina. O cavado não é tão compacto quanto o último e há uma crista mais intensa corrente abaixo a leste da Argentina. Essa crista em médios níveis mantém um intenso anticiclone em superfície.
Além disso, o jato de altos níveis não está em uma posição tão favorável. Há um jato no Atlântico com orientação sudoeste-nordeste, mas um tanto longe da região onde ocorria movimento ascendente intenso (contornos vermelhos). Portanto, o levantamento neste caso esteve mais associado a forçantes em baixos níveis.
Em 850 hPa, há uma frente quente que se estende do norte da Argentina até o centro do Uruguai e costa teste do RS, evidente no gradiente de temperatura potencial equivalente. A mudança na direção do vento de norte/noroeste no setor quente para sudeste a sul da frente indica acentuada convergência em baixos níveis. Além disso, a advecção quente é bastante intensa ao longo da frente. Essa é uma clássica frente quente associada a chuva intensa, relativamente comum na primavera.
O intenso movimento ascendente, resultado principalmente da intensa advecção quente em baixos níveis, coincide com uma área com instabilidade elevada (MUCAPE > 250 J/kg), favorecendo tempestades convectivas. Em áreas do sul do RS, há relatos de que houve intensa atividade elétrica acompanhando a chuva intensa por mais de 12h durante a madrugada do dia 07.
A anomalia de água precipitável indica mais de 2 desvios padrão na região durante a chuva intensa. Essa anomalia se deve ao rápido transporte de umidade pelo vento em baixos níveis. Em 700 hPa, o vento excedeu 50 kt, indicando um profundo jato capaz de transportar grande quantidade de umidade.
Um fator que provavelmente contribuiu para que a frente quente não se movesse tanto para sul, apesar do intenso escoamento de norte/noroeste, foi um intenso anticiclone que estava presente no Atlântico. Com mais de 1036 hPa no centro, esse anticiclone manteve intenso escoamento de nordeste ao longo da costa do RS e Uruguai, no setor frio. O anticiclone anômalo favoreceu intenso movimento ascendente ao longo da frente quente. O gradiente de temperatura acentuado ao longo da frente quente (pela presença de ar frio no oceano) e o vento em baixos níveis intenso (pelo forte gradiente de pressão) foram importantes neste caso.
Mais uma vez, várias oportunidades de pesquisa podem ser exploradas neste caso:
– A influência de anticiclones no Atlântico nas frentes quentes e estacionárias associadas a chuva intensa no sul do Brasil;
– A relação entre a estrutura do jato de baixos níveis e a advecção quente ao longo das frentes;
– Quais padrões de circulação no Pacífico favorecem esses períodos de alta atividade convectiva no Sul do Brasil. Muitas vezes, quando a atmosfera está favorável a um evento extremo, é mais provável que outros eventos extremos ocorram em seguida porque a configuração em grande escala já é anormal.
[03-04/09/2023] Chuva intensa no RS
Além do tempo severo generalizado, houve chuva intensa em partes do centro e norte do RS entre os dias 3 e 4/09. Algumas cidades registraram enchentes significativas, principalmente no centro do RS.
O intenso cavado em médios níveis que favoreceu a sequência de tempo severo e chuva intensa é impressionante pela localização em latitudes bastante baixas (vou utilizar 0600 UTC do dia 04 como exemplo.. Não é muito comum ver um cavado anômalo que se estende até o sul da Bolívia e se move para leste. Geralmente os cavados migratórios que se movem para leste ocorrem mais a sul. Além disso, o cavado tem um eixo bastante acentuado, ou seja, não é um cavado “suave”. Isso gera um jato bastante meridional (mais abaixo), favorecendo levantamento mais intenso na dianteira do cavado. As duas cristas anômalas corrente acima e corrente abaixo do cavado possivelmente tiveram um papel importante neste caso.
Com isso, houve escoamento muito intenso em baixos níveis na dianteira do cavado e amplo transporte de umidade em direção ao Sul do Brasil. O escoamento em 700 hPa, por exemplo, estava acima de 50 kt na madrugada do dia 04 (abaixo). Chama a atenção também a enorme área com vento > 50 kt. O jato de baixos níveis também era bastante profundo, o que causou eficiente transporte de umidade. Como exemplo, o transporte de vapor d’água integrado (abaixo) estava bastante intenso.
Como resultado desta situação “anomalamente dinâmica” e o amplo transporte de umidade, o ambiente onde ocorreu chuva intensa era caracterizado por anomalias de água precipitável perto de 3 desvios padrão.
O levantamento era bastante intenso na saída do jato de baixos níveis, conforme mostrado em contornos azuis no campo de vento em 700 hPa e água precipitável mais acima. Além disso, o levantamento também era favorecido pelo jato de altos níveis, cuja entrada equatorial, onde ocorrem circulações ageostróficas favoráveis a movimento ascendente, se posicionava sobre a região.
O ambiente bastante úmido, o levantamento intenso associado ao cavado + advecção quente na saída do jato de baixos níveis, e a presença de CAPE favorável a tempestades convectivas, causaram altas taxas de precipitação.
Um tópico interessante para pesquisa é a relação do formato do cavado em médios níveis com as condições de tempo corrente abaixo. Este caso é um tanto atípico, pois o cavado estava bastante a norte e era bem acentuado. Quão comum é este tipo de cavado? Esta configuração está sempre associada a maior potencial de eventos extremos (tempo severo e chuva intensa), ou este caso representou uma improvável combinação de fatores?
[22-23/07/2023] Tempo severo associado a intenso jato em altos níveis e ciclone
O jato de altos níveis está bastante intenso sobre a Bacia do Prata (abaixo) e tem causado vento Zonda a sotavento dos Andes.
O jato está associado a um cavado com inclinação positiva que se estende do Chile até o Pacífico subtropical em 500 hPa.
O jato favorece baixa pressão a leste dos Andes e intenso escoamento de noroeste em baixos níveis associado a advecção quente. A advecção quente (abaixo) e o movimento ascendente na saída polar do jato em altos níveis favorecem um intenso (<996 hPa) ciclone sobre o Uruguai e RS hoje. O jato de altos níveis também apresenta difluência nesta região. A advecção quente é bastante intensa e generalizada no setor quente e favoreceu a formação de algumas tempestades no RS na madrugada.
O ciclone tem anomalias padronizadas de PNMM abaixo de -4 desvios padrão.
Tempo severo é possível hoje no RS. O intenso escoamento de noroeste em baixos níveis promove transporte de umidade para a região. O GFS indica CAPE > 3000 J/kg na tarde de hoje. Essa instabilidade e o escoamento de 40-50 kt em 850 hPa favorecerão tempestades severas no RS. A maior incerteza está na ocorrência de convecção, dado que há considerável inibição à convecção apesar do levantamento intenso.
O potencial de tempo severo continua amanhã. O jato em altos níveis se torna ainda mais intenso conforme se move para leste sobre o Sul do Brasil. A frente fria avança até o centro do RS enquanto que ar quente e úmido segue presente no norte do Estado. Dessa maneira, tempestades podem se formar ao longo da frente no centro e norte do RS.
O fim de agosto já tem apresentado algumas situações comuns na primavera (Set-Out). Talvez o intenso El Niño esperado para os próximos meses favoreça uma primavera bastante ativa em termos de tempo severo.